quarta-feira, 9 de maio de 2012

13 Razões para o Veto Total ao PL 1876/99 do Código Florestal


*13 Razões para o Veto Total ao PL 1876/99 do Código Florestal* 

Texto reflete exame minucioso do Projeto de Lei 1876/99, revisado pela 
Câmara dos Deputados na semana passada, à luz dos compromissos da 
Presidenta Dilma Rousseff assumidos em sua campanha nas eleições de 2010. 

por André Lima, Raul Valle e Tasso Azevedo* 





Para cumprir seu compromisso de campanha e não permitir incentivos a 
mais desmatamentos, redução de área de preservação e anistia a crimes 
ambientais, a Presidenta Dilma terá que reverter ou recuperar, no 
mínimo, os dispositivos identificados abaixo. No entanto, a maioria dos 
dispositivos são irreversíveis ou irrecuperáveis por meio de veto parcial. 

A hipótese de vetos pontuais a alguns ou mesmo a todos os dispositivos 
aqui comentados, além de não resolver os problemas centrais colocados 
por cada dispositivo (aprovado ou rejeitado), terá como efeito a entrada 
em vigor de uma legislação despida de clareza, de objetivos, de 
razoabilidade, de proporcionalidade e de justiça social. Vulnerável, 
pois, ao provável questionamento de sua constitucionalidade. Além disso, 
deixará um vazio de proteção em temas sensíveis como as veredas na 
região de cerrado e os mangues. 

Para preencher os vazios fala-se da alternativa de uma Medida Provisória 
concomitante com a mensagem de veto parcial. Porém esta não é uma 
solução, pois devolve à bancada ruralista e à base rebelde na Câmara dos 
Deputados o poder final de decidir novamente sobre a mesma matéria.  A 
Câmara dos Deputados infelizmente já demonstrou por duas vezes - em 
menos de um ano - não ter compromisso e responsabilidade para com o 
código florestal. Partidos da base do governo como o PSD, PR, PP, PTB, 
PDT capitaneados pelo PMDB, elegeram o código florestal como a "questão 
de honra" para derrotar politicamente o governo por razões exóticas à 
matéria. 

Seja por não atender ao interesse público nacional por uma legislação 
que salvaguarde o equilíbrio ecológico, o uso sustentável dos recursos 
naturais e a justiça social, seja por ferir frontalmente os princípios 
do desenvolvimento sustentável, da função social da propriedade rural, 
da precaução, do interesse público, da razoabilidade e 
proporcionalidade, da isonomia e da proibição de retrocesso em matéria 
de direitos sociais, o texto aprovado na Câmara dos Deputados merece ser 
vetado na íntegra pela Presidenta da República. 

Ato contínuo deve ser constituído uma força tarefa para elaborar uma 
proposta de Política Florestal ampla para o Brasil a ser apresentada no 
Senado Federal e que substitua o atual código florestal elevando o grau 
de conservação das florestas e ampliando de forma decisiva as 
oportunidades para aqueles que desejam fazer prosperar no Brasil uma 
atividade rural sustentável que nos dê orgulho não só do que produzimos, 
mas da forma como produzimos. 

Enquanto esta nova lei é criada, é plenamente possível por meio da 
legislação vigente e de regulamentos (decretos e resoluções do CONAMA) o 
estabelecimento de mecanismos de viabilizem a regularização ambiental e 
a atividade agropecuária, principalmente dos pequenos produtores rurais. 




*13 razões para o Veto Total* 

*1. Supressão do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que 
estabelecia os princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe 
garantia a essência ambiental no caso de controvérsias judiciais ou 
administrativas.* Sem esse dispositivo, e considerando-se todos os 
demais problemas abaixo elencado neste texto, fica explícito que o 
propósito da lei é simplesmente consolidar atividades agropecuárias 
ilegais em áreas ambientalmente sensíveis, ou seja, uma lei de anistia 
florestal.  Não há como sanar a supressão desses princípios pelo veto. 

*2. Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do 
conceito de áreas abandonadas e subutilizadas.* Ao definir pousio como 
período de não cultivo (em tese para descanso do solo) sem limite de 
tempo (Art. 3 inciso XI), o projeto permitirá novos desmatamentos em 
áreas de preservação (encostas, nascentes etc.) sob a alegação de que 
uma floresta em regeneração (por vezes há 10 anos ou mais) é, na 
verdade, uma área agrícola "em descanso". Associado ao fato de que o 
conceito de áreas abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto na 
legislação hoje em vigor como no texto do Senado, foi deliberadamente 
suprimido, teremos um duro golpe na democratização do acesso e da terra, 
pois áreas mal-utilizadas, possuídas apenas para fins especulativos, 
serão do dia para a noite terras "produtivas em descanso". Essa brecha 
enorme para novos desmatamentos não pode ser resolvida com veto. 

*3. Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI 
do ART. 4º ART). *Isso significa a consolidação de ocupações ilegalmente 
feitas nessas áreas como também novos desmatamentos no entorno das 
veredas hoje protegidas.  Pelo texto aprovado, embora as veredas 
continuem sendo consideradas área de preservação, elas estarão na 
prática desprotegidas, pois seu entorno imediato estará sujeito a 
desmatamento, assoreamento e possivelmente a contaminação com 
agroquímicos. Sendo as veredas uma das principais fontes de água do 
Cerrado, o prejuízo é enorme, e não é sanável pelo veto presidencial. 

*4. Desproteção às áreas úmidas brasileiras.* Com a mudança na forma de 
cálculo das áreas de preservação ao longo dos rios (art.4o), o projeto 
deixa desprotegidos, segundo cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas 
da Amazônia (INPA), 400 mil km2 de várzeas e igapós. Isso permitirá que 
esses ecossistemas riquíssimos possam ser ocupados por atividades 
agropecuárias intensivas, afetando não só a biodiversidade como a 
sobrevivência de centenas de milhares de famílias que delas fazem uso 
sustentável. 

*5. Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP* - O 
novo texto (no §6º do Art4o) autoriza novos desmatamentos 
indiscriminadamente em APP para implantação de projetos de aquicultura 
em propriedades com até 15 mólulos fiscais (na Amazônia, propriedades 
com até 1500ha -- na Mata Atlântica propriedades com mais de mil 
hectares) e altera a definição das áreas de topo de morro reduzindo 
significativamente a sua área de aplicação (art.4º, IX). Em nenhum dos 
dois casos o Veto pode reverter o estrago que a nova Lei irá causar, 
ampliando as áreas de desmatamento em áreas sensíveis. 

*6. Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e ocupação 
nos manguezais* ao separar os Apicuns e Salgados do conceito de 
manguezal e ao delegar o poder de ampliar e legalizar ocupações nesses 
espaços aos Zoneamentos Estaduais, sem qualquer restrição objetiva (§§ 
5º e 6º do art. 12).  Os estados terão amplos poderes para legalizar e 
liberar novas ocupações nessas áreas. Resultado -- enorme risco de 
significativa perda de área de manguezais que são cruciais para 
conservação da biodiversiadade e produção marinha na zona costeira. Não 
tem com resgatar pelo Veto  as condições objetivas para ocupação parcial 
desses espaços tão pouco o conceito de manguezal que inclui apicuns e 
salgados.< /p> 

*7. Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para 
desmatamentos futuros*, ao não estabelecer, no art. 14, um limite 
temporal para que o Zoneamento Ecológico Econômico autorize a redução de 
80% para 50% do imóvel. A lei atual já traz essa deficiência, que 
incentiva que desmatamentos ilegais sejam feitos na expectativa de que 
zoneamentos futuros venham legaliza-los, e o projeto não resolve o problema. 

*8. Dispensa de recomposição de APPs.* O texto revisado pela Câmara 
ressuscita a emenda 164 (aprovada na primeira votação na Câmara dos 
Deputados, contra a orientação do governo) que consolida todas as 
ocupações agropecuárias existentes às margens dos rios, algo que a 
ciência brasileira vem reiteradamente dizendo ser um equívoco 
gigantesco. Apesar de prever a obrigatoriedade de recomposição mínima de 
15 metros para rios inferiores a 10 metros de largura, fica em aberto a 
obrigatoriedade de recomposição de APPs de rios maiores, o que gera não 
só um possível paradoxo (só partes dos rios seriam protegidas), como 
abre uma lacuna jurídica imensa, a qual só poderá ser resolvida por via 
judicial, aumentando a tão indesejada inseguranç a jurídica. *O fim da 
obrigação de recuperação do dano ambiental promovida pelo projeto 
condenará mais de 70% das bacias hidrográficas da Mata Atlântica, as 
quais já tem mais de 85% de sua vegetação nativa desmatada.* Ademais, 
embora a alegação seja legalizar áreas que já estavam "em produção" 
antes de supostas mudanças nos limites legais, *o projeto anistia todos 
os desmatamentos feitos até 2008*, quando a última modificação legal foi 
em 1986. Mistura-se, portanto, os que agiram de acordo com a lei da 
época com os que deliberadamente desmataram áreas protegidas apostando 
na impunidade (que o projeto visa garantir). Cria-se, assim, uma 
situação anti-isonômica, tanto por não fazer qualquer distinção entre 
pequenos e grandes proprietários em situação irregular, como por 
beneficiar aqueles que desmataram ilegalmente em detrimento dos 
proprietários que o fizeram de forma legal ou mantiveram suas APPs 
conservadas.  É flagrante, portanto, a falta de razoabilidade e 
proporcionalidade da norma contida no artigo 62, e *um retrocesso 
monumental na proteção de nossas fontes de água.* 

*9. Consolidação de pecuária improdutiva em encostas, bordas de 
chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art. 
64) o que representa um grave problema ambiental principalmente na 
região sudeste do País* pela instabilidade das áreas (áreas de risco), 
inadequação e improdutividade dessas atividades nesses espaços. No 
entanto, o veto pontual a esse dispositivo inviabilizará atividades 
menos impactantes com espécies arbóreas perenes (café, maçã dentre 
outras) em pequenas propriedades rurais, hipóteses em que houve algum 
consenso no debate no Senado. O Veto parcial resolve o problema 
ambiental das encostas no entanto não resolve o problema dos pequenos 
produtores. 

*10. Ausência de mecanismos que induzam a regularização ambiental e 
privilegiem o produtor que preserva em relação ao que degrada os 
recursos naturais.* O projeto revisado pela Câmara suprimiu o art. 78 do 
Senado, que vedava o acesso ao crédito rural aos proprietários de 
imóveis rurais não inscritos no Cadastro Ambiental Rural - CAR após 5 
anos da publicação da Lei. Retirou também a regra que vedava o 
direcionamento de subsídios econômicos a produtores que tenham efetuado 
desmatamentos ilegais posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não 
haverá instrumentos que induzam a adesão aos Programas de Regularização 
Ambiental, como fica institucionalizado o incentivo perverso, que premia 
quem descumpre deliberadamente a lei. Propriedades com novos 
desmatamentos ile gais poderão aderir ao CAR e demandar incentivos para 
recomposição futura. Somando-se ao fato de que foi retirada a 
obrigatoriedade de publicidade dos dados do CAR, este perde muito de seu 
sentido. Um dos únicos aspectos positivos de todo projeto foi mutilado. 
Essa lacuna não é sanável pelo veto. A lei perde um dos poucos ganhos 
potenciais para a governança ambiental. 

*11. Permite que imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem recuperar 
sua reserva legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção quase 
generalizada.* Embora os defensores do projeto argumentem que esse 
dispositivo é para permitir a sobrevivência de pequenos agricultores, 
que não poderiam abrir mão de áreas produtivas para manter a reserva, o 
texto não traz essa flexibilização apenas aos agricultores familiares, 
como seria lógico e foi defendido ao longo do processo legislativo por 
organizações socioambientalistas e camponesas. Com isso, permite que 
mesmo proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF -  e, 
portanto, tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência - 
possam se isentar da recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que 
imóveis maiores do que esse tamanho, mas com matrículas desmembradas, se 
beneficiem dessa isenção. Essa isenção fará com que mais de 90% dos 
imóveis do país sejam dispensados de recuperar suas reservas legais e 
jogaria uma pá de cal no objetivo de recuperação da Mata Atlântica, 
pois, segundo dados do Ipea, 67% do passivo de reserva legal está em 
áreas com até 4 módulos. 

*12. Cria abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a 
necessidade de recuperação da RL (art.69). *A pretexto de deixar claro 
que aqueles que respeitaram a área de reserva legal de acordo com as 
regras vigentes à época estão regulares, ou seja, não precisam recuperar 
áreas caso ela tenha sido aumentada posteriormente (como ocorreu em 
áreas de floresta na Amazônia, em 1996), o projeto diz simplesmente que 
não será necessário nenhuma recuperação, e permite que a comprovação da 
legalidade da ocupação sejam com "descrição de fatos históricos de 
ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da 
atividade". Ou seja, com simples declarações o proprietári o poderá se 
ver livre da RL, sem ter que comprovar com autorizações emitidas ou 
imagens de satélite que a área efetivamente havia sido legalmente desmatada. 

*13. Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas nativas 
e transporte de madeira no País.* O texto do PL aprovado permite manejo 
da reserva legal para exploração florestal sem aprovação de plano de 
manejo (que equivale ao licenciamento obrigatório para áreas que não 
estão em reserva legal), desmonta o sistema de controle de origem de 
produtos florestais (DOF -- Documento de Origem Florestal) ao permitir 
que vários sistemas coexistam sem integração. A Câmara rejeitou o 
parágrafo 5º do art. 36 do Senado o que significa a dispensa de 
obrigação de integração dos sistemas estaduais com o sistema federal 
(DOF). Como a competência por autorização para exploração florestal é 
dos estados (no caso de propriedades privadas rur ais e unidades de 
conservação estaduais) o governo federal perde completamente a 
governança sobre o tráfico de madeira extraída ilegalmente (inclusive 
dentro de Unidades de conservação federais e terras indígenas) e de 
outros produtos florestais no País. Essa lacuna não é sanável pelo veto 
presidencial. 

Há ainda outros pontos problemáticos no texto aprovado confirmado pela 
Câmara cujo veto é fundamental e que demonstram a inconsistência do 
texto legal, que se não for vetado por completo resultará numa colcha de 
retalhos. 

A todos estes pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL 
como é o caso da definição injustificável da data de 22 de julho de 2008 
como marco zero para consolidação e anistia de todas irregularidades 
cometidas contra o código florestal em vigor desde 1965. Mesmo que fosse 
levado em conta a última alteração em regras de proteção do código 
florestal esta data não poderia ser posterior a 2001, isso sendo muito 
generoso, pois a última alteração em regras de APP foi realizada em 1989. 

*Por essas razões não vemos alternativa sensata à Presidente da 
República se não o Veto integral ao PL 1876/99.* 


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* Em 02 de maio de 2012, por 

*André Lima* -- Advogado, mestre em 
Política e Gestão Ambiental pela UnB, Assessor de Políticas Públicas do 
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Consultor Jurídico 
da Fundação SOS Mata Atlântica e Sócio-fundador do Instituto Democracia 
e Sustentabilidade, 

*Raul Valle* -- Advogado, mestre em Direito 
Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e 
Coordenador Adjunto do Instituto Socioambiental e 

*Tasso Azevedo* -- 
Eng. Florestal, Consultor e Empreendedor Sociambiental, Ex-Diretor Geral 
do Serviço Florestal Brasileiro. 



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