quarta-feira, 11 de abril de 2012

Bikes VS Carros (ou) Como os holandeses venceram a ditadura do Carros






Um vídeo de enorme importância para o Brasil mostra como é possível mudar mentalidades e sistemas de transporte

Outras Palavras não publica normalmente material em outros idiomas, mas o vídeo acima (em inglês – para legendas em português, clique em “CC”, sob a tela) merece uma exceção. Precisamente no período em que surge no Brasil uma forte mobilização em favor de outro sistema de transportes e mobilidade, ele mostra que esta luta pode ser vitoriosa. Está focado na Holanda, provavelmente o país que melhor superou a locomoção baseada no automóvel individual — substituindo-a por uma vasta rede de trens, bondes e ciclovias.

Em seus 6m29, o documentário revela algo chocante: a cultura da bicicleta sempre foi forte na Holanda; no entanto, há menos de quarenta anos, o trânsito era tão hostil às bicicletas como o de nossas cidades. Num único ano (1971), houve 3,3 mil mortes no trânsito — entre os quais, 400 crianças — parte importante dos quais, ciclistas. Os dados são ainda mais expressivos por se tratar de um país cuja população (16,6 milhões) é semelhante à da região metropolitana de São Paulo.

As mortes estão estreitamente relacionadas a um processo muito semelhante ao vivido hoje no Brasil. Libertada do domínio nazista em 1945, a Holanda viveu, nos 25 anos seguintes, um enriquecimento acelerado, que beneficiou todas as classes sociais. A renda per capita cresceu 222%, entre 1948 e 1970. Boa parte dos que passaram a viver em condições mais favoráveis aspiravam ao padrão de consumo tradicional, em cujo centro está o automóvel. Para abrir avenidas, destruíam-se conjuntos residenciais e ciclovias. Praças foram convertidas em estacionamentos. O deslocamento médio realizado diariamente por um holandês passou de 3,9 para 23,2 km.


Dois fatores colocaram o modelo em xeque. O primeiro, e decisivo, foi uma intensa mobilização social contra a ditadura do automóvel, a partir dos anos 1970. Ele serviu-se do apego da população à bicicleta, que remota ao começo do século 20. Convergiu para intensas mobilizações em favor de um novo projeto de cidade. É algo que pode se dar também no Brasil contemporâneo, caso haja uma articulação mais forte entre movimentos como as lutas pelo direito à moradia, as bicicletadas e o ambientalismo urbano.

O primeiro choque mundial de combustíveis, em 1973, foi o catalisador final. Dependente do petróleo ao extremo, a Holanda viu-se contra as cordas, quando o preço do barril triplicou em poucas semanas. Porém, um governo ousado, dirigido pelo primeiro-ministro trabalhista Joop den Uyl, reagiu com medidas como os “domingos sem carro” e a proibição dos automóveis no centro das cidades.

Combinada com a mobilização social já existente, esta atitude deu início a uma revolução urbana. O traçado viário das cidades foi inteiramente transformado, para que surgissem áreas seguras para ciclistas. O uso da bicicleta, que declinara 6% ao ano no pós-II Guerra, cresceu entre 30% e 60%, em poucos meses. Junto com as ciclovias, floresceu um vasto movimento de recuperação das cidades, que transformou em praças e parques áreas antes colonizadas pelos carros. A profusão de espaços públicos e os contatos sociais e a sensação de liberdade que eles proporcionam são, por sinal, um dos ingredientes centrais para o encantamento produzido por cidades como Amsterdam.

O documentário termina com uma provocação: “Os graves problemas causados pelo automóvel não eram uma exclusividade dos holandeses”, diz o locutor. E instiga: “A saída que eles encontraram também não precisa ser”…

Bastam alguns minutos, após descer na estação ferroviária de Amsterdam, para sentir a enorme transformação no ambiente urbano.




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A noite em que o Brasil encarou a ditadura do automóvel
Milhares de pessoas exigem, nas ruas de 35 cidades, políticas em favor da bicicleta e do transporte público — e fazem do 6 de Março uma data histórica. Veja cobertura fotográfica do Fora do Eixo
(Para acessar as 293 fotos, em S.Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, Florianópolis, Manaus, clique aqui)

São Paulo


Porto Alegre

Belo Horizonte

Rio de Janeiro

Florianópolis

Manaus

Curitiba











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Bicicletada nacional de protesto: 35 cidades aderem
Veja grade completa das manifestações deste 6/3, com locais e horários. Nas redes, participantes combinam vestir-se de preto.
Mais, sobre a morte de Juliana Dias e a luta contra a ditadura do automóvel:
O luto de hoje e a luta de sempre, por Antonio Martins
Anjo exterminador, por Eduardo Galeano
Entrevista com Chris Carlsson, um dos criadores do movimento Massa Crítica
As fotos do protesto de sexta-feira, em São Paulo
A seguir, as cidades e suas ações nesta terça-feira:
  • Aracaju (SE): 20 hs, Mirante da Treze de Julho
  • Belém (PA): Concentração a partir das 18h no Centro Arquitetônico de Nazaré – CAN. Saída às 19h30
  • Belo Horizonte (MG): 19h, Praça da Estação;
  • Brasília (DF): 19h, Praça das Bicicletas (Museu Nacional);
  • Campo Grande (MS): 18h, Praça do Ciclista (rotatória da Avenida Duque de Caxias com a Afonso Pena) http://www.facebook.com/events/282569125145597/
  • Cascavel (PR) 18;30/19:00hs se reunir em frente da catedral
  • Caxias do Sul (RS): 19h, em frente a Prefeitura Municipal;http://www.facebook.com/events/371954129490520/
  • Cuiabá (MT): 20h, Praça 8 De Abri – na frente do Choppãohttps://www.facebook.com/events/255342117881035/
  • Curitiba (PR): 19h, Pátio da Reitoria (UFPR) Amintas de Barros (entre Dr. Faivre e Gen. Carneiro); https://www.facebook.com/events/188615161246812/
  • Florianópolis (SC): 19h, Skate Park Trindade (em frente ao Iguatemi);
    https://www.facebook.com/events/125659387560391/
  • Gramado (RS): 19h, Praça Major Nicoletti.
  • João Monlevade (MG): 19h, Praça do Povo
  • João Pessoa (PB): 19h, Busto de Tamandaré (Praia do Cabo Branco, final da Av. Epitácio Pessoa)
  • Jundiaí (SP): Embaixo do pontilhão na Av. 9 de Julho
  • Laranjeiras do Sul (PR): 19h, em Frente ao Lodi – Casa do Ciclista
  • Londrina (PR): 19h, ponte da Av. Higienópolis (lago 2)
  • Maceió (AL): 20h, Praça dos Ciclistas (Corredor Vera Arruda)
  • Manaus (AM): 19h30, Parque dos Bilhares (lado da Constantino Nery);
  • Maringá (PR): 19h, Praça da Catedral;
  • Natal (RN): 19h, Calçadão do Midway (Av. Salgado Filho);
  • Parnamirim (RN): 19h30, Posto BR (Aguinelo), Cohabinal
  • Pelotas (RS): 20h, em frente ao teatro 7 de Abril
  • Ponta Grossa (PR): 19h30, no parque ambientalhttp://www.facebook.com/events/309611795760654
  • Porto Alegre (RS): 19h, Largo Zumbi dos Palmares (EPATUR);
  • Recife (PE): 19h, Praça do Derbyhttps://www.facebook.com/events/325505750831153/
  • Rio de Janeiro (RJ): 18h30, na Cinelândia (em frente ao Cine Odeon);
  • Salvador (BA): 19h, Largo da Mariquita;
  • Santa Maria (RS): Concentração a partir das 18h15, Largo da Gare;
  • Santo André (ABC – SP): 19h, Praça do Ciclista – Av. Perimetral
    http://www.facebook.com/groups/217308051626659/
  • São Luís (MA): 19h, Praça do Rodão (Cohab).
  • São Paulo (SP): 19h, pça do ciclista (av. Paulista X rua da Consoloção);
  • Timbó (SC): 19h, em frente ao marco zero do Velotour (em frente do restaurante Thapyoka);
  • Vitória (ES): 19h, na Praça dos Namorados até a Praia de Camburi


    = = = A cidade sem catracas: Cultura do automóvel
    Este artigo é a primeira parte de uma reflexão que proponho sobre a mobilidade urbana no espaço do Blog Coletivo de Outras Palavras. A série compreenderá a Campanha pela Tarifa Zero em São Paulo e as bicicletas, como alternativas possíveis para a mobilidade.
    Neste primeiro texto, o alvo é a cultura do automóvel e seus efeitos sobre a mobilidade urbana. Mobilidade urbana é entendida aqui como as condições necessárias para o deslocamento das pessoas ou, em outras palavras: a pessoa conseguir se locomover da casa para o trabalho e para onde quiser ou precisar, seja por meios motorizados ou não motorizados. É o que garante, para o conjunto da população, o acesso aos serviços e equipamentos públicos que a cidade oferece, é dizer: o direito à cidade. O acesso à saúde e educação é impossível sem mobilidade abundante e barata.
    Em uma cidade como São Paulo, cuja frota tem mais de 7 milhões de carros, ficar parado no trânsito já é coisa banal. O paulistano gasta, em média, 2h49 (duas horas e quarenta e nove minutos!) por dia para se deslocar. No último dia 02 de setembro, São Paulo alcançou a marca recorde de 220 quilômetros de congestionamento. Além de causar perdas irreparáveis na qualidade de vida da população, as horas desperdiçadas com o trânsito geram prejuízos bilionários às empresas e à cidade, entre as perdas na logística e o aumento dos gastos em saúde por conta de acidentes e poluição.
    Ainda assim, o governo segue a cartilha da indústria automobilística e seus sindicatos: a cada R$ 12 gastos em incentivos ao transporte particular, o governo investe R$ 1 em transporte público, conforme mostrou o estudo sobre mobilidade urbana do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. O instituto atribui a piora no trânsito a esta relação de investimentos. Por sua vez, a população nutre o velho sonho de consumo americano: quem pode continua comprando carros. Há, aqui, um aparente paradoxo: as pessoas usam carros porque não há um transporte público de qualidade ou não há um transporte público de qualidade porque se fomenta prioritariamente o uso dos carros?
    O modelo que difundiu, priorizou e transformou o automóvel em objeto de desejo remonta ao início do século XX, nos Estados Unidos, ainda hoje imitado pelo Brasil. Seu efeito principal foi o sucateamento do transporte público coletivo: fim dos bondes, pouco investimento em trens e metrô, nenhum investimento em ciclovias. Quanto aos ônibus – meio de transporte mais utilizado pelos brasileiros, a entrega das concessões de exploração comercial deste serviço público a máfias empresariais (a maioria sem licitação) prestam um desserviço à população. No caso paulistano, os subsídios dados pela prefeitura às empresas e o aumento das tarifas muito acima da inflação carecem de justificativa por parte do prefeito Gilberto Kassab (ex- DEM), que a justiça paulista pediu em março deste ano.
    No Brasil, o uso do transporte individual ocupa mais de 80% das vias, mas serve apenas 27% das pessoas. Isto significa que 73% dos deslocamentos (a soma de transporte público coletivo, deslocamentos a pé e por bicicleta) tem que disputar 20% do espaço que resta nas vias. Assim, aqueles que não podem ou não querem usar carros nos seus deslocamentos enfrentam os efeitos do congestionamento causado pelos privilégios dados ao automóvel; porém, quem usa automóvel também não desfruta da facilidade de deslocamento desejável.
    Na cultura do automóvel, se investe mais em ampliação de vias, construção de pontes e asfaltamento do que nas calçadas, expansão do metrô, quantidade e qualidade dos ônibus e ciclovias. Ocorre que o espaço físico na cidade é limitado: não há tempo, recursos ou viabilidade para investir no viário no mesmo ritmo em que aumenta a frota de veículos. Ainda que houvesse, o volume de automóveis (em crescimento a 10% ao ano) não poderia caber em ruas e avenidas, por mais numerosas e largas que fossem. O modelo é insustentável.
    Neste sentido, o problema do trânsito parece não ter solução. Porém, há incontáveisexemplos de práticas e medidas já adotadas por cidades ao redor do planeta, que se não podem ser imitadas, servem de inspiração para outra cultura de mobilidade. Pensar o trânsito é pensar todos os modos de deslocamento de maneira integrada, ou seja, uma rede de calçadas, corredores de ônibus, linhas de metrô, ciclovias, VLTs e, – por que não? – automóveis.
    Cidades na França, Espanha, Dinamarca, Alemanha, Indonésia, Colômbia e Inglaterra, além da Holanda e mesmo no Brasil, elaboraram planos de mobilidade para implementar soluções que transformaram a relação da população com o espaço urbano. Algumas experiências de sucesso consistiram em restringir e reduzir o acesso de veículos particulares em determinadas áreas centrais, ao mesmo tempo que se abriu espaço nestas vias para os demais meios de transporte.
    Opções políticas neste sentido tem que considerar (inventar, imaginar, arriscar) medidas simples de grande impacto, como a pintura de faixas e sinalização, na inversão de prioridades de avenida como por exemplo a 23 de Maio, em São Paulo. Uma calçada bem cuidada, uma pista exclusiva para as bicicletas, uma para os ônibus, e três pistas para os carros poderiam significar maior rapidez de deslocamento, uma vez que haveria espaço para todos. Tal inversão seria, na prática, aquilo que o Código de Trânsito Brasileiro já determina em teoria: primeiro os pedestres, seguidos pelos ciclitas, o transporte público coletivo e, por último, o transporte particular motorizado.

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